domingo, 6 de janeiro de 2013

A antiga escola moderna


Autor de mais de 180 livros didáticos, paradidáticos e pedagógicos, Celso Antunes, mestre em ciências humanas e especialista em inteligência e cognição, mostra na sua mais recente publicação, Antiguidades Modernas, a importância de o professor repensar e qualificar o seu cotidiano pedagógico. Baseado em diversas crônicas, Antunes abre espaço para que o professor faça uma analise sobre temas tradicionais, antigos e modernos da educação.
Revela, em entrevista exclusiva a revista Profissão Mestre, porque as aulas de alguns professores ficam para sempre na memória dos alunos.



Profissão Mestre - Qual é a importância de ministrar aulas com emoção Por que e necessário alcançar a mente do aluno pelo caminho do coração
Celso Antunes - O professor não deve, necessariamente, estar emocionado. Não se trata, como se poderia a primeira vista pensar, que ele deve ser um ator onde externa sentimentos de aguda emoção. Se ele os externar, sem duvida ajuda, mas não é nesse aspecto que o educar, através da emoção, se ressalta. O que se busca realçar e que toda aprendizagem significativa necessita, fundamentalmente, de cinco componentes na ação cognitiva do aluno, e um desses componentes é a emoção. Então a emoção, como os outros quatro paradigmas, e um dos fatores cruciais da aprendizagem. Isso não é um referencial desejável, e um componente essencial do processo de aprendizagem da criança, do adolescente e do ser humano de maneira geral.

PM - Alem da emoção, quais são os outros componentes do processo de aprendizagem?
CA - A memória, indiscutivelmente. O professor deve conhecer estratégias para poder trabalhar a memória do aluno, claro que não uma memória mecânica, repetitiva, mas uma memória onde o aluno contextualiza, onde o aluno associe saberes novos aos que naturalmente ele possui. Alem da memória, a atenção. Ele deve saber trabalhar a atenção do aluno, descobrir formulas para capta-la. E por fim a motivação desse aluno é fundamentalmente a linguagem. Então, esses quatro mais a emoção são componentes estruturais do processo de aprendizagem.

PM - O que é uma boa aula?
CA - Uma boa aula é aquela que contempla a intensidade com que esses elementos sejam trabalhados. Fazendo uma comparação com o quadro educativo e o quadro médico, o que seria um paciente com uma boa saúde? Seria um paciente que realmente não apresentaria, em nenhum aspecto da sua condição biológica, qualquer tipo de deficiência. Uma boa aula é aquela que, no seu aspecto cognitivo, não apresenta nenhuma deficiência desses cinco componentes.

PM - Por que as aulas de alguns professores são mais sedutoras do que outras?
CA - Há uma infinidades de razões, mas em linhas gerais, o que tenho observado e que a estratégia através da qual a aula é ministrada é um componente muito importante. A maior parte dos professores brasileiros, infelizmente, confunde aula com aula expositiva, e a aula expositiva e apenas uma maneira de dar aula. Sabendo ser colocada pode ser excelente, mas e obvio que se o professor conhece apenas essas estratégias e em todas as circunstancias a utiliza, e impossível que ele possa escapar da monotonia. É como o mecânico que precisa conhecer diferentes ferramentas porque a natureza do trabalho dele vai exigir em situações diferentes a oportunidade de uso diversificado e isso também ocorre com o professor. A ferramenta do professor é a aula, mas se ele tem apenas a aula expositiva como ferramenta muitas vezes isso é fator de monotonia, por isso as vezes o aluno tem um grau de motivação na primeira aula do dia que não apresenta no final do dia e assim por diante, porque ha uma repetitividade de conceito nesse processo.

PM - E como o professor pode tornar a aula mais sedutora?
CA - Uma das outras formas de dar aula que ele poderá desenvolver, além da aula expositiva, e trabalhar projetos. Por exemplo, os projetos na verdade parte de um desafio, de situações problemas e os alunos são orientados a buscar caminhos e respostas, interagindo entre si nessa busca, que naturalmente é mediada pelo professor. Outras alternativa são os chamados jogos operatórios onde a situação problema é colocada de uma maneira similar a um desafio, mas que envolve diferentes estratégias para esse alcance. Quando o professor é um arquiteto de desafios , quando ele é um propositor de problemas. Quando ele leva o aluno a se perguntar, a se educar, a dizer não a si mesmo, geralmente ele é um professor muito bem aceito e a aula acaba sendo uma daquelas aulas memoráveis que efetivamente seduz o aluno.

PM - Em um dos seus artigos o senhor cita o jogo de palavras. Como o professor pode utilizar esse método em sala de aula?
CA - De uma maneira muito simplificada, se eu disser a você: "Amanhã eu não vou passear porque vai chover", eu estou concluindo essa afirmação sem propor nenhum desafio, ela é apenas uma informação que você assimilará, mas se eu alterno a ordem das palavras e digo algo como "Passear amanhã chover se vou não", para que você, juntamente com seus colegas estruture e de ordem, portanto de sentido a essas palavras aparentemente soltas mas que integram um todo, você esta se reperguntando, você está desafiando. Então a essência do jogo de palavras e a proposição de desafios, de questões que levam o aluno a construir soluções e respostas. Ele dispõe de palavras, mais ou menos, como quem tem peças de um quebra-cabeça não devidamente montado, só que essas peças são naturalmente palavras que vão compor a sentença, mas que ele construirá.

PM - Então, nesse tipo de aula, o professor é um facilitador...
CA - O professor verdadeiramente educador é sempre um mediador e nesse tipo de aula ele é efetivamente o mediador. Ele levou a situação problema, instrumentalizou os alunos para buscarem a resposta. Esses alunos sabem de quais instrumentos dispõe. Mas realmente ele esta atuando como um desafiador, como um verdadeiro arquiteto de desafios. Nesse contexto a aula acaba se tornando naturalmente mais atraente, mais interessante.

PM - O professor busca ministrar aulas menos cansativas para os alunos. E como ele pode fazer para não cansar-se também?
CA - Na verdade, embora o objetivo de se trabalhar em projetos, trabalhar com jogos operatórios seja o lugar porque, na medida em que ele é um propositor de desafios, diminui muito a carga verbalizadora dele. Não vai em cinco aulas fazer cinco discursos. Em segundo lugar, na medida em que ele dispos aquele aluno num esquema de motivação, de interesse, de participação, ele não tem aquele desgaste de cobrar uma atenção, de impor uma rigidez e nem perceber, no desanimo do aluno, quase que um convite ao seu tédio também. O professor que trabalha assim chegara a noite cansado tão somente pelas horas que ficou em pé, mas não existe aquele cansaço de uma irritabilidade provocada pela tentativa de construir a força uma tensão que espontaneamente não se tem.

PM - O professor deve apoiar-se naquelas lembranças do passado, de quando ele era aluno, para dar aulas mais contagiantes?
CA - Não deve. Até creio que é uma rotina mais ou menos comum, mas não deve. Eu respondo com uma metáfora: se hoje, com qualquer problema de natureza biológica, qualquer doença, procura um médico e ele diz "olha eu vou tratar você como o meu avô médico me tratou", você sai correndo desse consultório porque a medicina evoluiu muito, a farmacologia teve um progresso absolutamente espetacular. Na educação, de forma alguma e diferente. O que se pensava sobre memória, o que se pensava sobre atenção, aula e motivação há 20, 30 anos é muito diferente do que se pensa hoje, então é obvio que se ele teve um professor extremamente talentoso, que se emocionava, assumir as qualidades dessa pessoa, com o que hoje se sabe, ele estaria fazendo a composição ideal. Voltando a metáfora, você ter no médico de hoje a paixão, o entusiasmo, o interesse por você, do médico de antigamente mas com a tecnologia da medicina de agora, ai sim seria ideal. Mas aquela copia literal seria passar por cima de tudo quanto de novo se descobriu.

PM - O que nunca vai deixar de ser antigo na sala de aula?
CA-? Nunca será antigo o professor não responder o que o aluno pode por si mesmo descobrir. Isso sempre será uma estratégia extremamente significativa. O professor nunca pode pensar-se assassino da curiosidade respondendo aquilo que o aluno pode sozinho descobrir, mas também, ao lado disso, nunca será antigo numa sala de aula o entusiasmo, paixão pelo que se faz, percepção do progresso do aluno e entusiasmo por esse progresso. Isso nunca envelhecera, indiscutivelmente.

PM - As lembranças da escola influenciam o aluno na vida adulta?
CA - Ele carrega essas lembranças de uma maneira muito forte e mesmo quando pensa que não está as carregando, as vezes na maneira como ele segura uma caneta, como se dirige aos colegas, ele pode não ter consciência da lembrança, mas por detrás desses atos sempre está um professor, está uma aula, está um texto que ele leu. As marcas e as lembranças da escola são extremamente fortes e poucas vezes temos plena consciência disso mas, incontestavelmente, esses professores estão sempre atrás daquilo que fazemos. Portanto, nega-la e como você negar a importância da memória na aprendizagem ou negar a importância da linguagem, ou mesmo da motivação, ou ainda da atenção.

PM - Muito se discute a influencia do professor sobre o aluno. E a influência do aluno sobre o professor?
CA - Esse é um dos campos mais novos da educação.Um pensador chileno, que está realmente em evidencia, Humberto Maturana, sempre dizia que havia referencias e cuidados com respeito a influencia do professor sobre o aluno, mas que na verdade, seres humanos são interdependentes, e da mesma maneira como num conceito, eu diria, até ecológico, que o solo depende da planta mas a planta também depende do solo. É muito difícil perceber que possa existir um e outro sem interação. Um modifica o outro, e isso é absolutamente verdadeiro em relação ao aluno para o professor. Isso não significa dizer que essa imagem esteja consciente, mas é obvio que, na maneira como somos, aquele professor que evolui o faz por forças das marcas e dos registros daquele envolvimento que ele teve com os alunos, e essa relação hoje é muito forte, muito recíproca e não é a toa que Maturana é um biólogo, porque ele tirou esse conceito da própria biologia, onde no ecossistema, A depende de B e B depende de A. E o próprio Paulo Freire já dizia isso também. É uma troca.

PM - Quais são as principais barreiras no processo do aprendizado?
CA - A principal barreira no processo do processo de aprendizagem é o professor ainda acreditar-se proprietário de um saber, cuja finalidade é transmitir aos alunos, esquecendo de identificar que esse saber se banalizou, que hoje é o encontro na Internet, que hoje eu vivo num mundo onde há múltiplos canais de televisão. Um material escolar, de maneira geral, é muito bem formado, então aquele professor repetidor de saberes, tem para cada aula aquele tema e aquela pílula, e realmente acaba sendo um professor muito pouco sedutor. Portanto ele está impondo uma barreira imensa na aprendizagem, porque está indo na contramão daquilo que realmente o aluno precisa para crescer.


PM - Para que o aluno realmente aprenda, o senhor afirma que é necessário que ele tenha liberdade interna. O que quer dizer?
CA - Ele é o agente essencial no processo de construção do seu saber. O saber não é algo que venha de fora, a aprendizagem se constrói com aquilo que eu sei e com aquilo que é colocado em relação ao meu ambiente. Então, na verdade, essa liberdade é no sentido de fazer com que o saber que o professor transmite, não pode pretender que seja o saber que o aluno adquire. Aquele saber se transforma com os saberes que o aluno tem, então, isso significa a liberdade. Cada aprendente precisa ser livre para aprender, porque ele é o agente construtor da sua própria maneira de aprender e dos próprios saberes que constrói.

PM - Para que o aluno realmente aprenda, o senhor afirma que é necessário que ele tenha liberdade interna. O que quer dizer?
CA - Ele é o agente essencial no processo de construção do seu saber. O saber não é algo que venha de fora, a aprendizagem se constrói com aquilo que eu sei e com aquilo que é colocado em relação ao meu ambiente. Então, na verdade, essa liberdade é no sentido de fazer com que o saber que o professor transmite, não pode pretender que seja o saber que o aluno adquire. Aquele saber se transforma com os saberes que o aluno tem, então, isso significa a liberdade. Cada aprendente precisa ser livre para aprender, porque ele é o agente construtor da sua própria maneira de aprender e dos próprios saberes que constrói.




sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

ENSINANDO A VIVER

De repente, no meio da aula, algum aluno se levantava e, sem pedir licença, toma para si o material escolar do colega. A cena se repete muitas vezes, assim como as agressões verbais e os episódios de bullying. Esta situação, vivida pela professora de Português Eloisa Menezes Pereira, de Porto Alegre (RS), acontece com frequência em escolas de todo o Pais. Então, para reverter esta realidade e contribuir para a construção de uma sociedade com pessoas de bem, muitos professores estão incluindo em seus planos de aula atividades relacionadas a relevância do respeito e da solidariedade. Segundo os docentes, a iniciativa traz benefícios para o ensino. Para tentar mudar o clima em sala, Eloisa pensou em uma maneira divertida e instigante de ensinar para a garotada a importância da pratica desses dois valores. Ela propôs um desafio a Turma 53 da 6º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Almirante Alvaro Alberto da Motta e Silva: produzir um livro sobre os cinco sentidos, tema que ajudaria o grupo a refletir sobre as atitudes negativas repetidas dia apos dia em sala de aula. Eles toparam a ideia e, em menos de quatro meses, não apenas finalizaram a publicação, lançada no fim do ano, mas conseguiram construir um ambiente mais harmonioso na classe. Era uma turma que apresentava muitos problemas. Então, pensei em trabalhar os sentidos, para que eles se conscientizassem que a mão, por exemplo, não e para bater no colega da frente, conta a educadora, ressaltando que a melhor maneira de introduzir a discussão sobre valores dentro escola e partir da historia de vida de cada aluno, assim como do ambiente em que vivem. Neste caso, os 28 integrantes da turma, com idades entre 11 e 14 anos, moram na periferia da cidade, na Vila Cruzeiro, área carente da capital, marcada por diversos problemas sociais, inclusive a violência. Não é a toa, que nos textos e desenhos produzidos pelos alunos para o livro "Brincando com os sentidos (e-book lançado pela editora Plus), há relatos sobre pessoas solitárias que encontraram a felicidade a partir de um carinho ou de um olhar amoroso. O aluno é muito acessível e, com raríssimas exceções, novos olhares podem ser trabalhados em sala para desenvolver os valores, observa Eloisa. Respeito e bom e todo mundo gosta A opinião da professora de Porto Alegre encontra eco a mais de 4 mil quilômetros de distancia, em Fortaleza (CE). La, o professor de Historia Paulo Sergio Barros, da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental Maria Jose Medeiros, lança mão de varias estratégias para formar pessoas de bem. Tudo conectado com a subjetividade, o currículo e as práticas socioculturais dos estudantes, detalha. No ano em que se comemorava os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ele propôs aos seus 105 alunos da 9º ano que elaborassem uma carta de princípios próprios. Paulo alerta para o fato de que, seja qual for a maneira escolhida para discutir o assunto na aula, é fundamental que o professor seja exemplo para a turma.Falar de valores como respeito é bom, mas será inócuo se aquele que fala não pratica. Ele também acredita que, embora o assunto precise ser trabalhado em sala e de uma forma cotidiana e consistente, a educação de valores deve, na verdade, começar em casa, ainda que vários pais se mostrem despreparados para isso. Muitas crianças chegam a escola com comportamentos lamentáveis. E quando conversamos com a família ficamos sabendo das condições sociais e morais em que eles nasceram e vivem. Por outro lado, Paulo também ve falhas na atuações das instituições de ensino. Poucos gestores e professores estão comprometidos com uma educação holística, humanitária, critica o professor, resumindo que a responsabilidade de formar pessoas de bem e, na verdade, de todos família, escola e da sociedade de uma maneira geral. O docente ainda e responsável, no Norte e Nordeste, pelo Programa Vivendo Valores na Educação (VIVE) iniciativa coordenada pela Alive, associação presente em mais de 80 países com o objetivo de propagar valores humanos e estímulos ao desenvolvimento espiritual e profissional de seus integrantes. No Brasil, o programa e desenvolvido pelo Instituto Vivendo Valores (www.vivendovalores.org.br). Outras estratégias Para os professores que já desenvolvem atividades relacionadas a educação de valores, ou mesmo para quem deseja começar agora, mais sugestões não faltam. Eloisa, por exemplo, propõe que o docente liste e comente atitudes de desrespeito menos triviais, criando regras em colaboração com a turma e expondo o resultado da discussão em cartazes afixados na classe. Em relação a solidariedade, ela cita abordar o assunto estimulando o empréstimo de material, a ajuda aos colegas em dificuldades e a cooperação na limpeza da sala. Já Paulo Sergio enumera uma serie de atividades que podem ser realizadas ao longo do ano e que poder?o gerar mudanças no comportamento dos alunos: oficinas, pesquisas, campanhas, projetos e técnicas de relaxamento. Ele, por exemplo, detectou uma melhor convivência dos estudantes com a diversidade e mais respeito (a si próprio e pelo outro). Alem disso, a disciplina em sala também melhorou. ?Eles escutam melhor o professor e sabem apreciar o que o colega diz. Eloisa também sentiu uma melhora no comportamento dos alunos, com a redução dos casos de bullying, e observa que, independentemente dos resultados no caso dos alunos mais velhos, que já trazem hábitos negativos arraigados, e preciso ?investir, acreditar, implantar?. Paulo tem pensamento semelhante. Para ele, seja qual for o nível de ensino, e essencial que a formação de valores passe, principalmente, pelo incentivo ao respeito. Reportagem divulgada na revista Profissão Mestre de abril de 2010.